Estava escuro.
Era inverno e os abutres nos penhascos aguardavam a morte dos cervos.
Temiam que as andorinhas da primavera interrompessem o manjar de sangue vivo em corpo morto.
Foi longo aquele inverno e os abutres cuidavam de quebrar os ovos das andorinhas, antes que os filhos eclodissem em Abril.
Foi longo o Abril da regeneração dos ninhos, da fuga dos abutres, das correrias dos cervos, dos trigos amadurecidos por mãos quase loucas de esperar.
Escureceu o Maio e as searas curvam-se ao vento e rumorejam, num mar de sobressaltos.
Avistaram pássaros negros, filhos espúrios dos abutres, em voos silenciosos, a ensaiarem a rapina.
Há um canto longe, um grito, um aviso no cimo dos penhascos:
- Escutem o canto da cotovia.
Licínia Quitério