18.12.25
O LUGAR
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7.12.25
NATAL
De que serve um poema
se não for também sangue também ferida
se não disser da esperança assassinada
da negra solidão dos precipícios
Que poema desgraçado será
o que disser amor e não souber
o seu odor a mar o seu toque
que do cardo faz cetim
Um poema tem de crescer por dentro dos escombros
a salvar as crianças soterradas
Se não souber de guerras cale-se o poema
Se não souber de paz também se cale
Um poema indiferente
que não souber dizer senhora liberdade
não servirá de estrada não voará
mesmo que diga ave da madrugada
Os homens precisam de poemas
que digam carne e soluço
desfaçam vendas e amarras
abracem os nascidos e os que vão nascer
Poemas haja de vida e morte
que digam princípio e fim
por isso o caos e a ordem
por isso a sorte e a contradita
Um poema virá do novo tempo
a desfazer a tempestade
com a força das sílabas sonoras
a anunciar o reabrir da claridade
Licínia Quitério, na antologia "Numa rua completamente às escuras movem-se estes versos"
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17.11.25
A FRONTEIRA
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12.11.25
A TEMPESTADE
Vai passar vai passar a tempestade
Escuta o discurso do vento
Recolhe a folha seca
Com um recado inscrito
Podes não ter aprendido
A linguagem das nervuras
Mas elas conhecem
O desenho da tua mão
A voz do vento dir-te-á
Um nome que esqueceste
Numa conversa de outro tempo
A chuva canta no parapeito
Um cânone de outras paragens
A tempestade vem e vai e voltará
Tu continuarás sem entender
A impermanência dos dias da bonança
Licínia Quitério
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9.11.25
AS CASAS DA GUERRA
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28.10.25
FALAR DE MIM
Podes ficar tranquilo.
O temporal passou.
O telhado furou
e a chuva pingou
sobre a dor do meu ombro.
O pouco que dormi
foi sempre em faz de conta,
não fosse a ventania
levantar o colchão
onde se escondia
das mágoas o cordão.
A parede rachou,
mas foi bom porque eu pude
ver um céu que foi meu,
em forma de crescente.
Recusei aceitar a hora do poente
e fiz bem, porque assim
nunca tive o punhal
do dia no final
a remexer a ferida
a esfacelar a pomba,
guardada no meu peito.
Depois, foi só esperar
que o temporal se fosse,
já farto de afrontar-me
da pele até ao osso.
Podes ficar tranquilo.
O temporal já foi.
Eu sei que outros virão,
em formas de tufão,
de lágrimas, cansaços,
mas eu aperto os braços
e seguro os pedaços
que sobraram de mim.
Semicerrando os olhos,
liberto a dor dos ombros.
Compro um colchão de espuma
de sabão, do melhor.
Depois lá vou soprando
enquanto tiver força
e as bolas vão subindo,
de mil cores tingindo
o fio dos meus cabelos.
Podes ficar tranquilo.
Mais nenhum temporal
me pode causar mal.
Uma coisa te peço:
se souberes que morri,
se entenderes que mereço,
embrulha com cuidado,
num pano de brocado,
meus desejos de corça
que um dia galopou
e na praia, ao nascente,
agita-o com firmeza
até teres a certeza
de que nada lá dentro
escondido ficou.
Licínia Quitério
Inédito - Outubro de 2004
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24.10.25
TEIA
A aranha tece a teia
No seu labor de carcereiro
A mosca toca os fios
Da frágil fortaleza
Aprende a imobilidade
Não percebeu a sedução
Da irradiante geometria
A aranha guarda o visco
Que nos ata nos mata
Somos apenas moscas
Licínia Quitério
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22.10.25
ESTREMECE
Estremece, a casa velha.
Vai soltando pedras.
Nem o musgo as sustem.
Outro o desenho da cal.
Fissuras vão abrindo
A porta ao esquecimento.
Na hora de tombar
Cumpre-se, a casa velha.
Licínia Quitério
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25.9.25
A VASSOURA
A vassoura, com sua haste altiva,
varria, que para isso vassoura foi criada.
Empunhada a preceito, que tudo tem de ter sua mestria,
varria o pó acumulado nas dobras dos degraus.
Cuidados de enfermeira, digamos maternais,
pouco usuais em tempos imperfeitos.
Quem dera ser degrau que alguém subisse
e fosse acumulando sombras pelos cantos.
Vassoura chegaria, que mesmo para ela tempo há,
e varreria, eficaz, por vezes a roçar uma carícia,
os restos que até lá fossem parar
para que degrau de pedra pessoa se sentisse.
Licínia Quitério
Mafra, Dezembro de 2005
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24.9.25
VÍCIO
Tenho o vício dos teus olhos
das tuas mãos em tremura
da tua boca de seda
escaldante como o carvão
na minha lareira acesa.
Da tua voz registada
no meu ouvido profundo.
Tenho o vício de te ver
em memórias de veludo
nas sementes espalhadas
pelas flores que não cuidei.
Tenho o vício de sentir
as dores que não rejeitei.
Tenho o vício de cheirar
campos que não cultivei.
Tenho o vício de voltar
a caminhos que não pisei.
Tenho o vício de me rir
do choro que já chorei
e o vício da solidão
que me envolva de lembranças
das andanças que vivi.
Tenho o vício de escutar
segredos que me contaram
e aqueles que não contei.
Mais do que toda a virtude
é água pura a correr
o vício de te querer
sabendo que te não quero.
Licínia Quitério, 2006
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23.9.25
AS MÃOS
Para além de nós ficam as mãos.
Com elas percebemos e palpamos
e moldamos o ar que respiramos.
As carícias, mesmo as que não demos,
fazem das mãos a nossa eterna idade,
a nossa infância a tactear o mundo.
Com elas nos prendemos ou soltamos
e falamos mais fundo do que as vozes.
São as mãos que nos marcam a presença.
Talvez não mãos, mas asas ansiosas
sempre à espera do voo nas alturas.
Há belas mãos, inteiras, tão galantes,
mãos de príncipe a desbravar silvados,
sem se doerem inda que o sangue aflore.
Pelas mãos nos perdemos e achamos.
Onde elas chegam chega o nosso amor.
Licínia Quitério, 2005
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22.9.25
VIDA
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AJUDA
Alguém pediu ajuda.
Ou foi o murmurar da água do ribeiro?
Ou o rumorejar das hastes do salgueiro?
Ou o cão a pisar folhas mortas de Outono?
É um choro de criança ao abandono?
É o lamento de um pobre esfomeado?
É a raiva do peixe picado pelo anzol?
É mulher a parir desamparada?
É um andar peregrino?
Uma onda de mar que se perdeu do sal?
Um pássaro do norte que se perdeu ao sul?
Um abraço sem força que se perdeu do amor?
Uma palavra solta que perdeu o sentido?
Uma saudade do amigo distante?
Uma dor sem remédio?
Uma flor despedida pelo vento do jardim?
Um sorriso sem rosto onde possa habitar?
Uma voz desgarrada sem saber ecoar?
Alguém pediu ajuda.
Ou foi no meu ouvido o sangue a latejar?
Melhor partir, dormir ou fingir ignorar.
Licínia Quitério
Mafra, Fevereiro de 2006
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29.8.25
O MAR
o mar embraveceu alevantou-se
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25.8.25
UMA LEMBRANÇA
da agonia das nuvens grávidas de céu
do rolar do medo no olhar dos pombos
da gente nos terraços respirando a tarde
Mas prefiro dizer
da luz duma lembrança
que o mundo clareou como se a madrugada
na fundura do dia aprisionada
por mim se libertasse esquecida de morrer
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24.8.25
OS PAVõES
era outro o tempo
no recorte sombreado das tílias
o fragor do leque dos pavões
abalando a moleza da tarde
no desalinho dos sentidos
chorávamos abraçados
na dança dos pavões
ou tombávamos ébrios
porque as tílias estavam em flor
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20.8.25
O FOGO
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25.7.25
26.5.25
A COTOVIA
Estava escuro.
Era inverno e os abutres nos penhascos aguardavam a morte dos cervos.
Temiam que as andorinhas da primavera interrompessem o manjar de sangue vivo em corpo morto.
Foi longo aquele inverno e os abutres cuidavam de quebrar os ovos das andorinhas, antes que os filhos eclodissem em Abril.
Foi longo o Abril da regeneração dos ninhos, da fuga dos abutres, das correrias dos cervos, dos trigos amadurecidos por mãos quase loucas de esperar.
Escureceu o Maio e as searas curvam-se ao vento e rumorejam, num mar de sobressaltos.
Avistaram pássaros negros, filhos espúrios dos abutres, em voos silenciosos, a ensaiarem a rapina.
Há um canto longe, um grito, um aviso no cimo dos penhascos:
- Escutem o canto da cotovia.
Licínia Quitério
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23.5.25
O VAGABUNDO
Caminha lesto o vagabundo,
à procura da origem de seus males.
Acossado pelos lobos,
ignorado pelos reis.
Tem encontro marcado,
anunciado pelo bater do coração.
Os olhos navegam pelas pedras
que sabe serem estrelas.
Por vezes pega numa, guarda-a no bolso
e o casacão curva-se desabado.
Vem do sítio dos loucos deserdados,
com montanhas de jade e de ternuras.
Pela boca falam vozes comandantes:
Agora vai, agora ama, agora mata.
Só não pode parar o vagabundo.
A urgência de chegar não o permite.
As mãos morenas afastam sombras
- intrusos a impedir o progresso
do corpo já cansado.
Se desatento, tropeça num coral, numa romã,
demónios mascarados de natura.
Mas logo se endireita e continua.
Quando parar, será de supetão.
As vozes deixarão de o incitar,
as estrelas no casaco o brilho perderão.
E lenta, lentamente, seu corpo vergará
até ao chão.
Pela primeira vez, verá os muros do castelo.
Ilusão ou verdade? Não lhe interessa.
Já não pobre, não louco. Apenas corpo.
Até que os reis e os lobos apareçam.
Licínia Quitério
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